quinta-feira, 9 de outubro de 2008

sombra de mim


Não quero ser a nódoa no pano, o joio no meio do trigo, o i sem ponto, o prato não limpo, o patinho feio, a ovelha ronhosa, o sol por entre a peneira, o macaco sem galho,o mexilhão que se lixa, o quarto sem vista sobre a cidade, a guerra sem paz. Quero ir e voltar, tocar sem estragar, estranhar e depois entranhar. Não quero um pássaro na mão nem dois a voar. Quero bom vento e bom casamento, águas mil em abril, maios maduros e meses sem r. Não quero ser um perigo constante ao volante nem um tacho sem tampa. Não quero ter um parafuso a menos nem jogar só com metade do baralho. Quero uma mente sã num corpo são. A verdade no vinho. Errar porque é humano. Não quero usar tamanho L e XL, não quero um T0. Não acredito em histórias da carochinha nem no pai natal. Não sou doce como o mel nem boa como o milho. Sou farinha de não sei que saco. Não esfrego as mãos de contente nem apunhalo pelas costas. Não choro como o crocodilo nem rio como a hiena. Ronrono de vez em quando. Vejo como a águia e como o lince, mas não sou rainha em terra de cegos. Não tenho ouvido de tísica nem mãos de pianista. Falo pouco e o meu silêncio é de ouro. Trago as emoções à flor da pele. Dói-me muitas vezes a cabeça, menos vezes o coração. Tenho uma pedra no seu lugar, dizem. Sou uma sombra de mim. Não há mal que sempre dure. Mas, ao contrário do ditado, o bem acaba.

bso Fake plastic tree by Radiohead

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