sábado, 1 de novembro de 2008

não há amor sem ciúme?


Ao contrário do que muito se pensa, o ciúme não é lisonjeador. Ofende porque desacredita. Desiquilibra porque duvida. Amedronta porque agride. Estupidifica porque se repete. Tolhe porque sufoca. Cansa porque exige energia. Seca porque é improdutivo. Estagna porque é inconsequente. Insulta porque não precisa de palavras. Gesticula por não ter razão. Insinua-se melifluamente porque é dissimulado. Tem uma vida secreta, a que germina sob a atenção e os cuidados. Arrasa porque coloca tudo em causa. Distorce, enviesa, transforma. Incapacita e aprisiona. O ciúme não ama, não quer bem. O ciúme toca e estraga. Midas ao contrário. O ciúme é posse, é propriedade, é manutenção de status quo. O ciúme é poder nas mãos de quem não o sabe usar. O ciúme é desajeitado e incompetente. É o pior cego porque não quer ver para além de si. Ao contrário dos anjos, o ciúme tem sexo. É mulher. Uma mulher que não sabe o chão que pisa. Os homens também sentem o ciúme. É o seu lado feminino. A evolução não olvida o instinto. O ciúme também tem forma. É um bicho roxo, tentacular, de apetite voraz. Uma besta bem alimentada que veste cores de tragédia. Tem dentes cortantes e engole sem mastigar. Rói até ao osso limpo. Por fim, porque reduzir a nada é o seu limite, dos ossos faz cinzas. O ciúme não é uma fénix. Não renasce e não reinicia. O ciúme não se deixa matar, não é uma espécie em vias de extinção. O ciúme é extinção. O ciúme é a humanidade a debruçar-se sobre o abismo das suas ambições e contradições e a cruzar os braços perante a inevitabilidade do pior. O ciúme é caos e não cosmos. O ciúme nega qualquer possibilidade de elevação e redenção. O ciúme reduz-nos à nossa biologia. O ciúme é carne. A passar do prazo de validade, a intentar contra a nossa integridade física, depois de destruir a moral. O ciúme não é contra a religião. O ciúme é religião, pode dar sentido a uma vida. Tem dogmas, molda comportamentos, tem ritual. E pode matar, como as religiões. Consome tudo. E por poder ser maior do que tudo, consome e esgota até as palavras que o descrevem, impondo ao discurso um intransponível ponto final.

bso Buried bones by Tindersticks

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