quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

tu, cidade


Varanda sobre o rio. O aroma do malte que tenho na mão alimenta-me as esponjas ávidas que são os meus sentidos. Líquido quente que me conforta até o frio afiado deixar de me morder a carne. As estrelas brilham pouco, por capricho. Como as mulheres discretas, que julgam ser mais apreciadas. Dentro, o loop da música insiste em debitar informação redundante: "a minha alma e o teu coração são mundos separados". Sim, como religiões irreconciliáveis, parentes desavindos, clubes em competição. Olho-a do cimo, e a cidade treme apenas o suficiente para se fazer sentir e é um animal que exala a respiração suave de um sono em cativeiro. Prepara-se para recuperar a sua natureza selvagem à primeira luz da aurora. Nessa altura, afirmar-se-á, reiniciando o eterno ciclo de todas as manhãs do mundo, como a predadora impiedosa que é, abocanhando-nos os sonhos que noites como esta nos permitem. E eu recorro à prerrogativa e lanço a questão. Porque me deixaste, deste lado desta cidade que partilhamos sem nunca nos vermos, para sempre? Esta não é a nossa cidade, tu sabes. A nossa é a dos tufões, aquela que não conseguimos olvidar. E eu sou aquela que para lá foge, sempre que pode, para visitar-nos e levar-nos presentes.

bso Me quedo contigo por Ana D

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