segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

boletim meteorológico


Talvez nunca tivesse sido bem assim.
Talvez nunca tivesse existido uma diferença
nítida entre as estações do ano, uma linha
rigorosa a separar o inverno
e a primavera, o outono e o verão.
Porque a memória meteorológica é a mais
débil das memórias - pior que a memória
do amor, a memória das pessoas que desejámos
ou julgámos terem-nos amado
verdadeiramente. Mas é isso
que fica da infância: os dias de chuva
sucedendo-se um após o outro, ponto;
as flores imensas nos canteiros dos jardins, ponto;
as folhas dos plátanos nas alamedas,
primeiro amarelas, e depois
vermelhas, e depois castanhas, ponto;
um sol impiedoso a cair a pique
nos lancis das avenidas, ponto.
E assim é que está certo:
que a memória da infância
não seja traída pela estatística
e pelas evidências científicas
das alterações climáticas à escala global.
Mesmo nos dias claros, límpidos,
muito azuis, eu vejo uma ameaçadora nuvem
e recuso-me a não ter frio.

josé carlos barros

bso Strange weather by Marianne Faithful

Nenhum comentário: