sábado, 14 de fevereiro de 2009

palavras sós


Quem anel a anel há-de pôr-me a nu os dedos,
quando me arrancarão a camisa,
quando se verá torso e braço a braço
todo o peso apoiado à luz?
Alguém me tocará para que eu estanque.
Se tivesse escondido entre ojectos exaltados
uma estrela e o seu combustível.

Desfaçam devagar o que me liga
primeiro a cada estado do mundo,
depois à memória.
Desfaçam-me do nome, o grande coágulo de sangue,
umbigo que habilmente se desamarra.
Todas as coisas pequenas que me cercam,
para que servem elas? Desembaracem-me:
o cântaro cheio da força das dedadas,
o copo coriscando,
garfos e o seu fogo, facas e o seu fogo,
a carne profunda na minha carne pela boca devoradora,
louça e o seu fogo.
Alguém há-de saber de tanto fôlego junto.

Basta a mão direita para quebrar a água
misteriosamente, a mão
para devolver-me à fonte.
Não é preciso que seja raiada, essa pessoa
leve e potente, só que finque no meio da dança
um pau em brasa com a floração:
quero que me pare, que me abra.
Que use a chave da minha obscuridade.
Antes de me terem chamado com água dentro da pedra,
gosto amargo, unhas e dentes.

A seda com que teci a malha entre os pedaços humanos:
membros criando um espaço, respiradouros, anéis rudes
nas cabeças, uma beleza viva.
Alguém há-de tocar-me com um dedo, alguém
há-de pôr-me um selo.

herberto helder

bso Let´s go out tonight by Craig Armstrong & Paul Buchannan

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