segunda-feira, 25 de agosto de 2008

memória


Lembro-me de muitas auroras. As das insónias e as das noitadas. As primeiras pelo desespero, as outras pelo que calhava. Mas só de uma me lembro com o deslumbramento que é suposto devotarmos a certas manifestações da natureza. Porque era criança e quando adultos deixamo-nos dessas sensibilidades. Tínhamos deixado o país grande há pouco tempo e, agora, no país pequeno, trazíamos ainda o país grande nas almas e, sobretudo, no olhar. No país pequeno, em viagem de família para a pequeníssima aldeia de origem, insistíamos em que tudo fosse à escala antiga: grande carrinha para transportar a família que por esses tempos ainda se queria grande, antes das dissidências das mortes. Verão. As viagens faziam-se de noite, pela fresca, e todo o perto era ainda muito longe. Nós, crianças, dormíamos atrás, enquanto os outros, em camaradagem, contavam histórias, para fortalecer laços e afastar o sono. Acordei com o dia a nascer, com o sol a querer pôr-se azul, mas com um laranja forte e teimoso a sobrepor-se-lhe. Por trás da nova paleta de cores, pressentia-se ainda a noite. Era a primeira vez que via o céu assim, muito embora no país grande o céu fosse imenso e de todas as cores que alegram uma criança. Mas aquele foi o meu primeiro céu. Não o entendi logo, pois na timidez que me é atávica, não questionei ninguém. Só o entendi ontem. E só hoje o partilho.

bso Qualsevol nit pot sortir el sol by Albert Pla

Um comentário:

Anônimo disse...

Giro... recordo um nascer do sol assim... mas parece que foi há mil anos!